A VISÃO BIBLICA DO GOVERNO CIVIL: UMA AVALIAÇÃO LIBERAL CLÁSSICA
Por DR. AUGUSTO ZIMMERMANN
Traduzido da língua inglesa por: Eclésio Correa de Oliveira Neto
A Bíblia vê o governo como uma instituição estabelecida por Deus (Gênesis 9:6; Romanos 13). De acordo com as Escrituras, seu alvo principal é promover a justiça para seus cidadãos – proteger o inocente do agressor e dos sem lei. Sem segurança, todas as demais funções do governo (proteger a vida, liberdade, propriedade, reputação, etc) tornam-se sem sentido.
Então, como cristãos devemos reconhecer o governo como uma instituição sagrada cujos governantes são ministros de Deus para o bem (Romanos 13). Diz a Bíblia: “Porque os governantes não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás o louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.” (Romanos 13:3-4). Deus ordenou o Estado praticar a justiça piedosa. Enquanto o governo estiver servindo o propósito final para o qual Deus o criou, nós devemos mostrar nossa fidelidade a Ele submetendo-se ao governo humano. O Apóstolo S. Pedro instrui: Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por Ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. (I Pedro 2:13–14).
Responsabilidades Governamentais Limitadas
Entretanto, o governo tem apenas responsabilidades limitadas. Nós devemos esperar que o Estado realize somente o limitado, isto é, as tarefas ordenadas por Deus. Portanto, seus dois papéis principais são: proteger o inocente e punir os culpados (Romanos 13:3-4).
O governo deve ater-se ao seguinte princípio bíblico: Façam tudo com decência e ordem (1 Corintíos 14:40; Êxodo 18:19). Assim o é porque ordem reflete o caráter de Deus. Todavia, sabemos que o poder humano tende à corrupção, como Lord Acton afirmou: “Poder absoluto corrompe absolutamente.” Assim, um governo que distribui poder é melhor do que aquele que concentra poder nas mãos de poucos.
Por isso, uma forma constitucional de governo é mais propensa a estar em conformidade com os princípios bíblicos e responder aos seus cidadãos do que as formas menos democráticas. Um aspecto significativo da estrutura constitucional australiana que está de acordo com esses princípios é a divisão de poder em três ramificações: Executivo, Legislativo e Judiciário – juntamente com os seus freios e contrapesos. Esse modelo tripartite reflete a natureza trinitariana de Deus moldada a partir de Isaías 33:22: “Porque o Senhor é o nosso juiz, o Senhor é o nosso legislador, o Senhor é o nosso Rei; Ele nos salvará.”
Criação e o Pecado Original
Apesar de sermos criados à imagem e semelhança de Deus, temos uma natureza decaída e pecaminosa. Desde que nossos ancestrais compreenderam os aspectos contrapostos da natureza humana, eles instituiram um governo ajustado ao nosso legítimo lugar na ordem criativa de Deus.
O governo humano é fundamental para nos proteger da nossa natureza pecaminosa. Devido às nossas inclinações malignas, o pecado deve ser mantido sob controle, e um governo reto deve ser capaz de aplicar leis que são criadas para proteger aqueles que fazem o bem e punir os malfeitores.
Mas nossos antepassados também lutaram com o problema de proteger os cidadãos das inclinações pecaminosas daqueles que são as autoridades governamentais. O resultado de seus esforços é um sistema de freios e contrapesos entre as divisões de governo. Cada ramificação maneja poderes específicos que previnem a concentração de poder (que sempre é inimigo da liberdade) e a queda da autoridade nas mãos de poucos escolhidos. Ao distribuir o governo de modo amplo e em diferentes ramos, um sistema constitucional de governo minimiza a possibilidade de abuso de poder por causa da nossa natureza decaída.
A fonte dos Direitos Humanos
Uma visão cristã integral compreende Deus como a fonte original dos nossos direitos fundamentais e liberdades. Como cristãos que somos e por crermos que todos os seres humanos são criados a imagem de Deus (Gênesis 1:26), nós sabemos que cada pessoa é muita valiosa aos olhos de Deus. Isso se torna claro quando nós lembramos que Cristo tornou-se humano e morreu pela humanidade.
Deus garante a todos os homens os mesmos direitos inalienáveis baseados no padrão moral absoluto. A Declaração de Independência dos EUA reflete nossa visão cristã integral quando proclama: “Todos os homens foram criados iguais e dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis.” As premissas seguintes são inerentes a esta declaração:
1) Fomos criados por um Deus bondoso;
2) Esse Deus fornece a base para todos os direitos humanos.
O conhecimento de que os direitos humanos se baseiam em uma fonte eterna e imutável, é crucial para a nossa compreensão de política. Para nós cristãos, tais direitos não têm origem no governo humano, mas no próprio Deus, que ordena aos governos a proteção pela lei. Se nossos direitos não fossem vinculados ao caráter de Deus, então eles seriam arbitrariamente atribuídos aos caprichos da vontade humana – tais direitos seriam “alienáveis” porque não refletiriam o caráter imutável de Deus. Um dos fundadores dos EUA, John Adams, em uma carta a Thomas Jefferson em 1813, reconheceu essa verdade básica quando afirmou:
“Os princípios gerais os quais os Pais (da Independência) alcançaram a independência, foram os únicos Princípios nos quais a bela Assembleia de jovens cavalheiros poderia se reunir […] E quais eram esses Princípios? Eu respondo: os princípios gerais do Cristianismo, nos quais todas estas facções foram unidas […] Agora eu vou confessar que eu creio que todos esses Princípios do Cristianismo são eternos e imutáveis, assim como a existência e os atributos de Deus.”
O propósito do governo a partir da justiça bíblica
De acordo com a nossa visão bíblica, o governo humano foi instituído por Deus para proteger nossos direitos inalienáveis das nossas tendências egoístas (Gênesis 9:6; Romanos 13:1–7). George Washington, em seu discurso inaugural como primeiro Presidente dos EUA, referiu-se aos “benignos sorrisos celestiais” que se inclinam apenas àquela nação que “não desconsidera os ordenamentos eternos de ordem, justiça e direito nos quais o Céu ordena.”
Mas a natureza humana é capaz tanto para a virtude quanto para o vício. Nós sabemos nossa tendência em infringir os direitos do nosso próximo para melhorar nossa própria vida. Sabemos que governo e sistemas políticos existem para proteger nossos direitos e manter nossas tendências malignas sob controle.
Cristãos veem a justiça como a principal razão para a existência do Estado. A justiça presta seu papel para cada cidadão de acordo com um padrão de retidão. Mas o padrão correto para a justiça é a lei moral de Deus, a qual está baseada no reto e bondoso caráter do Criador. Esses padrões firmes e eternos de justiça estabelecidos por Deus determinam que os inocentes devem ser protegidos dos maus – estupradores, adúlteros, pedófilos, bandidos, mentirosos, traficantes de drogas, traficantes sexuais, coletores de impostos corruptos, etc.
Soberania sem a direção de Deus é tirania
O Estado, por essa razão, limita a responsabilidade e deve permitir que outras instituições igualmente instituídas por Deus (família, igreja, etc.) a liberdade para desempenhar seu papel também. Confiar demais no Estado ou nas autoridades estatais, ao contrário do que em Deus, inevitavelmente resulta em opressão governamental e abuso de poder. Assim, William Penn (o fundador da Pensilvânia) expôs: “Se não somos governados por Deus, então seremos governados por tiranos.”’[3] Ou, como Charles Colson disse:
‘Arranque a crença em Deus e você é deixado com dois dirigentes: o indivíduo e o Estado. Nessa situação, todavia, não há estrutura mediadora para gerar valores morais e assim, sem contrapeso para as inevitáveis ambições do Estado ’[4]
O Socialismo fornece um exemplo preciso da nossa disposição em negar Deus e colocar a soberania absoluta nas mãos do governo. O Socialismo não oferece salvação a não ser pela esperança de um Estado Todo-Poderoso que irá aperfeiçoar não somente a nós como também nosso ambiente. Enquanto o Cristianismo ensina que cada pessoa tem valor e responsabilidade diante de Deus, o socialismo prega que a salvação só pode ser alcançada coletivamente.
Atualmente, alguns socialistas utópicos defendem que um governo global funcione como a autoridade política e econômica definitiva a fim de se alcançar a evolução da humanidade. Se eles triunfarem em seu movimento de uma “nova ordem mundial” (e um completo abandono da lei moral de Deus), nós poderemos experimentar o que as Escrituras profeticamente descrevem como a vinda do Anticristo (Apocalipse, Capítulo 3).
Contrária aos perigosos ensinos socialistas, a doutrina cristã ortodoxa indica uma filosofia política de um governo limitado que defende um papel subsidiário ao governo civil. Curiosamente, a Declaração Americana de Independência reflete sua concepção religiosa quando proclama, “Todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis.”
Essa Declaração reflete a contribuição do filósofo e pensador político inglês John Locke (1634-1704). De acordo com Thomas West, “ele foi um grande teólogo cuja interpretação do Cristianismo foi de uma influência tremenda na Grã-Bretanha e América”. [5] Como bem percebeu o filósofo e jurista Jeremy Waldron, Locke apoiou uma visão bíblica da igualdade e dignidade humana que foi profundamente assentada na teologia bíblica. [6] De fato, a veracidade do ensino bíblico foi uma “premissa de trabalho” no pensamento político de Locke, e a influência de tal ensino é observada particularmente em seus comentários sobre propriedade, família, escravidão, governo e tolerância. [7]
De fato, Locke baseou inteiramente sua obra “Second Treatise on Civil Government (1690) em princípios cristãos de lei, política e justiça. Ele argumenta que nossos direitos básicos são concedidos por Deus e são independentes e anteriores ao governo civil. Para ele, tal governo não tem outro fim a não ser preservar esses direitos, e por isso, jamais pode ter o direito de destruir, escravizar ou intencionalmente empobrecer os indivíduos. Se um governo excede os limites legítimos de seu poder, as pessoas podem destituir seu governo por uma violação de confiança. Por isso, Locke elabora um “estado de natureza” anterior à criação do Estado em que os indivíduos são regidos não pelas leis positivas, mas apenas por uma lei natural que todo mundo é capaz de reconhecer e defender. Locke explica essa “lei da natureza”:
“A lei da natureza baseia-se como uma regra eterna para todos os homens, governantes e também para os demais. As regras que eles fazem para outras ações humanas devem ser, assim como as suas próprias ações e as dos outros homens, conforme a lei da natureza, isto é, de acordo com a vontade de Deus, a qual é uma declaração. E a lei fundamental da natureza é a preservação da humanidade e nenhuma sanção pode ser boa e válida se contrária e isso.”[9]
De acordo com Locke, o Estado coloca-se em “Estado de Guerra” contra a sociedade todas as vezes que tenta minar esses direitos naturais do indivíduo. Sendo concedidos por Deus e inalienáveis, ainda que alguém procure negociar esses direitos, o Estado não será bem sucedido porque os direitos naturais não são algo a ser negociado. Nossos direitos fundamentais a vida, liberdade e propriedade impõem limites à autoridade civil, proporcionando assim uma justificativa legal para a resistência contra tirania caso sejam violados. À medida em que o governante civil não reconhece e não protege nossos direitos, ele realmente deixa de ser uma autoridade legítima, e o povo pode destituí-lo por violação de confiança. Como Locke o colocou:
“Todas as vezes em que os legisladores se esforçam para retirar e destruir a propriedade das pessoas (isto é, seus direitos à vida, liberdade e propriedade), ou reduzi-los à escravidão sob poder arbitrário, eles se colocam em um estado de guerra com o povo, o qual é liberto de qualquer obediência, e é encaminhado ao refúgio comum que Deus providenciou a todos os homens contra a força e violência.”[10]
O trabalho de Locke representou um papel significativo no desenvolvimento do constitucionalismo moderno. Ele é conhecido como o “fundador do Liberalismo Clássico” desde que suas imensas contribuições forneceram justificativa moral e política para a Revolução Gloriosa de 1688 na Inglaterra. Na luta constitucional das forças parlamentares contra os Stuart, monarcas na Inglaterra do século 17, uma atitude receptiva em direção ao Cristianismo permitiu que filósofos como Locke desenvolvessem a teoria pela qual a razão principal para a existência de um governo civil repousasse na preservação dos direitos alienáveis à vida, liberdade e propriedade. Obviamente, como se pode notar acima, suas contribuições políticas e filosóficas foram posteriormente refletidas na declaração de Independência dos Estados Unidos, especialmente em seu apelo a direitos naturais concedidos por Deus e o direito legal para resistir à tirania política.
Apesar de muitos terem expressado admiração pelas palavras de Locke como a maior fonte da teoria liberal democrática, ele baseou, de maneira explícita, toda sua tese nas doutrinas cristãs referentes a igualdade moral. [11] É indiscutível que sua defesa da liberdade religiosa estava ligada ao pluralismo religioso e a diversidade das manifestações religiosas. A defesa de Locke acerca da liberdade religiosa é o que definitivamente inspirou os elaboradores da Primeira Emenda a Constituição dos EUA a estabelecer a liberdade religiosa e o princípio da separação entre Igreja e Estado.
O papel subsidiário do Governo
O Estatismo não pode oferecer promessa de salvação a não ser pela esperança de que um governo poderoso irá aperfeiçoar tanto a nós mesmos quanto nosso ambiente. Enquanto a filosofia cristã enfatiza que cada indivíduo é digno de direitos e responsabilidades fundamentais, defensores do Estatismo aparecem para argumentar que a salvação final só pode ser alcançada coletivamente. Tal crença utópica na perfectibilidade da humanidade, assim como na perfectibilidade do ambiente social, é baseada em um profundo equívoco sobre a natureza humana.
Entretanto, infelizmente muitas pessoas hoje estão dispostas a olhar a ajuda do governo como um “direito”, assim considerando a qualquer forma de assistência pública. Isso os impede de considerar sua autoestima de maneira apropriada, assim como tentativas em preservá-la. Depois de descrever as sérias implicações morais do “Estado Central Moderno”, Robert Sirico concluiu:
“O Estado do Bem-Estar Social busca seus objetivos em termos de um código moral cada vez mais distinto dos princípios cristãos tradicionais. Por exemplo, o próprio conceito de “direito” ao bem-estar é contrário ao entendimento bíblico de ajudar os pobres: ajudar os outros é um dever moral oriundo do compromisso espiritual e não é exercido, em sua essência, através da coerção ou mandato governamental. O Estado Moderno Central tem se mostrado incapaz de distinguir entre os pobres merecedores e não merecedores, e o auxílio que promova independência e desenvolvimento moral daquele que reforça a mentalidade de dependência e niilismo moral.” [12]
Talvez ninguém tenha explicado melhor as consequências morais da excessiva intervenção governamental que Wilhelm von Humboldt (1767-1835). Em “Limits of State Action”, Humboldt explica que o intervencionismo excessivo pelo Estado continua a minar inevitavelmente o espírito da autêntica solidariedade, compaixão, autocontrole e responsabilidade individual. Ele assim comenta:
“Os resultados ruins de uma solicitude demasiadamente excessiva por parte do Estado são ainda mostrados mais explicitamente na supressão de toda a energia ativa e na necessária deterioração do caráter moral. […] O homem que é frequentemente liderado, torna-se facilmente disposto a sacrificar o que resta da sua capacidade de ação espontânea. Ele se imagina liberado de uma ansiedade que ele vê transferida para outras mãos e isso lhe parece suficiente quando olha para a liderança deles e os segue. Então, suas noções de mérito e culpa se tornam incertas […]. Ele agora se vê não apenas completamente livre de qualquer dever que o Estado não lhe impôs expressamente, mas também se exonerou de todo esforço pessoal para melhorar sua própria condição, e, até mesmo, teme seu próprio esforço, como se fosse provável abrir novas oportunidades, dos quais o Estado poderia tirar proveito […] Além disso, cada indivíduo abandona a si próprio em prol da ajuda solícita do Estado, e então, abandona o destino de seus concidadãos. Isso enfraquece a compaixão e torna a assistência mútua sem ação, ou, pelo menos, o intercâmbio recíproco de serviços e benefícios […] Onde o sentimento é mais aguçado essa assistência é a única coisa a confiar; e a experiência nos ensina que as classes oprimidas da comunidade que são negligenciadas pelo governo, são sempre unidas entre si pelos laços mais próximos. Mas se o cidadão se torna indiferente aos seus semelhantes, assim será o marido em relação à esposa e o pai de família para com os membros da casa.” [13]
Embora a ajuda governamental possa proporcionar algo de bom para aqueles que precisam apenas de um impulso temporário para se recuperar (mais precisamente como um band-aid para um pé quebrado), a assistência do governo é um comportamento disfuncional. Algumas vezes, o que o destinatário da assistência realmente necessita é de uma mensagem firme de trabalho e sobriedade. Nesse raciocínio, escreve Nancy R. Pearcey:
“A ajuda do governo pode piorar as coisas. Ao proporcionar um auxílio financeiro (no Brasil iniciativas como “cheque-cidadão” ou “bolsa-família”) indiscriminadamente a todos que se habilitam, sem abordar os problemas comportamentais subjacentes, o governo por si só não pode eliminar as necessidades morais e espirituais mais urgentes que se encontram no cerne de todas as “recompensas” antissociais e padrões disfuncionais. E qualquer comportamento que o governo remunera tende a aumentar. Como bem notou um crítico do século 19, a assistência governamental é um “poder que dissolve e separa os laços de parentesco, extingue a afeição da família e suprime nos pobres o instinto de autossuficiência e respeito próprio, para transformá-los em mendigos.”[14]
Os custos morais do Estado do Bem Estar Social: Relações Familiares
Os custos morais do Estado de Bem Estar Social, em nenhum outro campo são mais visíveis do que no campo da política familiar. Embora a família sirva como o principal meio de aculturação e transmissão de valores de geração a geração, os laços familiares nas sociedades atuais são tão frágeis, que menos pessoas acreditam ter o dever de ajudar seus familiares.
Como resultado, as pessoas que estão em dificuldade não esperam mais obter ajuda dessa maneira. Ao invés de abordar esse problema, a política pública desestabilizou a família com consequências desastrosas. Por exemplo, nas últimas décadas tem-se visto uma tremenda proliferação de leis que permitem a dissolução unilateral do contrato de casamento. Ao tornar o divórcio facilmente disponível e puramente pessoal, o Estado transformou o casamento em um absurdo legal que nega a doutrina da responsabilidade e a má conduta pessoal.
Visto que somos todos pecadores por natureza, esses estímulos fornecem um forte tentação ao egoísmo e comportamento antiético. Obviamente, sempre e onde quer que a família se desfaça, o Estado deve intervir como um substituto para a família disfuncional – daí o aumento gradual da jurisdição estatal sobre a família.
Custos adicionais do Estado do Bem-Estar Social – Caridade pessoal.
Deve-se também considerar que a intervenção excessiva do governo manifestamente bloqueia a capacidade dos indivíduos em prestar assistência e caridade. Quando o patrimônio é retirado do indivíduo e do seu grupo social, sobra muito pouco para doar às instituições de caridade.
O regime de alta tributação inseparável do bem estar do governo diminui a esfera dos serviços gratuitos nos quais os indivíduos se envolvem em relações espontâneas, o que efetivamente corrói a cultura de civilidade que sustenta uma sociedade compassiva. A consequência inevitável dessa diminuição nas atividades de caridade é que o Estado adquire maior poder financeiro para investir nas atividades de “caridade” em que o próprio Estado se julga capaz de sustentar. De acordo com John Gray:
Se, em virtude da tributação das rendas mais altas, há atividades sociais e culturais importantes que não podem ser mais mantidas particularmente, como a provisão para a cultura e artes, e então, mais uma vez o Estado assume tais atividades através de um programa de subsídios. Inevitavelmente, o Estado passa a exercer cada vez mais um grau de controle sobre eles. A consequência da política redistribucionista, portanto, é a redução da iniciativa privada em muitas esferas da vida social, a destruição do homem de recursos independentes, e o enfraquecimento da sociedade civil. [15]
Em última análise, as falhas e os defeitos do Estado do Bem-Estar Social parecem ser o resultado de uma compreensão inadequada das tarefas pertinentes ao governo. Em Centesimus Annus (1991), o Papa João Paulo II observou que a natureza humana “não se completa inteiramente no Estado, mas é percebida em vários grupos intermediários, começando com a família, incluindo grupos econômicos, sociais, políticos e culturais, que decorrem da natureza humana em si e têm sua própria autonomia.” [16] A encíclica continua a explicar que as falhas e defeitos do Estado do Bem-Estar Social são o resultado direto de “uma compreensão inadequada das tarefas próprias do Estado”[17] Por causa disso, João Paulo II concluiu:
“O princípio da subsidiariedade deve ser respeitado de modo que uma comunidade de uma ordem maior não deve interferir na vida interna de uma comunidade de ordem menor, privando a última de suas funções, mas sim apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar sua atividade com as atividades do resto da sociedade, sempre visando o bem comum. Na verdade, parece que as necessidades são melhor compreendidas e satisfeitas por pessoas que estão mais próximas delas e que atuam como vizinhas para aqueles que estão necessitados.” [18]
O princípio da subsidiariedade baseia-se em capacitar o indivíduo com a tomada de decisões, realizadas de maneira próxima e viáveis ao cidadão. [19] ou, em outras palavras, em um “nível de base”. Subsidiariedade pressupõe que “entidades sociais intermediárias podem realizar adequadamente as funções que lhe são atribuídas sem serem obrigadas a entregar-se injustamente a outras entidades de nível superior, pelas quais acabariam sendo absorvidas e substituídas e ao final veriam a si mesmas negadas em sua dignidade e lugar essencial.”[21] Assim, a hierarquia de ordens é estabelecida, consistindo primeiramente no indivíduo como entidade autônoma dotada por Deus com direitos inalienáveis à vida, liberdade e propriedade. O indivíduo é então seguido pela família, comunidade local, Igreja e finalmente pelo Estado.
Uma questão de obediência
Há finalmente a importante questão de obediência a autoridade civil. A visão bíblica de política diz que Deus instituiu o governo para promover a justiça d’Ele. Nós também entendemos através da leitura da Bíblia nossa obrigação concedida por Deus em respeitar, obedecer e participar em governos que sirvam ao Seu propósito. (Romanos 13:1–2).
Entretanto, nosso dever de obedecer à autoridade não requer que sigamos cegamente líderes que se afastam de suas responsabilidades para com Deus. Pelo contrário, nós devemos mantê-los responsáveis por intermédio da nossa participação no governo – votando, solicitando quando necessário, concorrendo para cargos públicos, ou servindo em posições que não requerem eleição, onde nós possamos infuenciá-los no poder. (Provérbios 29:2).
Na verdade, a Bíblia claramente nos instrui a odedecer a Deus mesmo quando seus mandamentos entram em conflito com o Estado. Por exemplo, quando os apóstolos Pedro e João foram ordenados pelo Sinédrio para deixar de ensinar sobre Jesus, eles responderam: “Julguem os senhores mesmos se é justo aos olhos de Deus obedecer aos senhores e não a Deus.” (Atos 4:19).
Nós somos convocados a obedecer a Deus mesmo quando nossos esforços para reforma através dos canais políticos falham: Se o sistema de governo permanece injusto, nós podemos ser obrigados a nos envolver em desobediência civil a fim de permanecermos obedientes a Deus: Como disse Francis Schaeffer: “A conclusão é que em certo ponto, não há apenas o direito, mas o dever de desobedecer o Estado.” [22]
Nossa desobediência ao Estado pode resultar em morte, mas nesse caso é melhor morrer do que viver. Daniel compreendeu essa verdade e escolheu a morte do que adorar um rei (Daniel 6:1–10). E Deus sempre honra esse compromisso.
Considerações Finais
Quando o poder governamental aumenta, a liberdade deve diminuir porque um excesso de poder do governo inevitavelmente diminui as escolhas e oportunidades pessoais. Deve ser um princípio primordial de governança que o poder do Estado deva ser limitado o suficiente para que não se retire muita liberdade do indivíduo.
Acima de tudo, há certos aspectos da vida humana que são naturalmente ordenados por Deus, e assim, o Estado não pode legitimamente controlá-los. Estes são assuntos concernentes à aplicação dos princípios bíblicos que devem ser aplicados a cada conduta humana para que os direitos invioláveis desfrutados por todos os indivíduos sejam adequadamente protegidos por restrições vinculadas a lei nos vários tipos de poder.
Quando o governo atua dentro dos limites do seu papel de ordem natural de Deus, nós nos submetemos voluntariamente à autoridade estatal porque entendemos que Deus o instituiu como autoridade sobre nós para a proteção dos nossos direitos concedidos por Deus, a saber: vida, liberdade e propriedade. Porém, quando o Estado abusa sua autoridade ou se declara como o último e soberano árbitro sobre nossa vida, liberdade e propriedade, nós devemos reconhecer a lei transcendente de Deus e não a do Estado.
Nossa lealdade é primeiramente para com Deus, que pode nos chamar a um engajamento político em um esforço para criar um governo bom e justo. O envolvimento de pessoas honradas pode influenciar positivamente o governo. Por isso, como cristãos devemos acolher as oportunidades para participar de um governo cujo objetivo seja influenciar o Estado à conformidade da vontade de Deus como instituição social (Provérbios 11:11). Como Colson diz, “Os cristãos devem fazer o melhor que puderem. Ainda que sintam que não fazem diferença, que estejam falhando em trazer os valores cristãos para a arena pública, o sucesso não é o critério. A fidelidade é o critério. “[23]
Nossa grande luta, meus companheiros de fé, é lutar por justiça e liberdade e manter um governo rigorosamente sob a lei. Devemos permanecer obedientes a Deus em todas as circunstâncias.
Brilhante artigo, embora um pouco longo. Há passagens imperdíveis, que compõem um todo coerente. O terço final – a partir de “O Papel Subsidiário do Governo” – traduz com fidelidade a realidade tupiniquim.
Muito bom o artigo e nota-se que em momento algum foi do, igreja ou religião, onde o próprio homem tem deturpado o plano de Deus com suas “doutrinas de conveniência”.
No meu comentário acima, quis dizer que em momento algum o foco foi igreja ou religião.
muito bom o artigo